terça-feira, 16 de julho de 2013

A Vida Como Ela É - Das gincanas para os palcos da capital

Karen e Keyla, talentos revelados em eventos culturais da região, destacam-se em peça baseada na obra do dramaturgo Nelson Rodrigues

Douglas Abreu

Histórias surpreendentes sobre infidelidade e peculiaridades de vidas quase normais. A coluna “A Vida Como Ela É” de Nelson Rodrigues no jornal carioca “A Última Hora”, foi publicada de 1951 a 1961. A princípio, o espaço deveria chamar-se “Atire a Primeira Pedra” e contar com uma ficção diária inspirada em uma notícia do caderno policial. Após um certo tempo, Nelson sugeriu a mudança de título e, aos poucos, passou a criar suas próprias histórias, que surgiam de casos que ouvia nas ruas, da observação dos subúrbios cariocas e de casos fantásticos que escutava quando criança.
Dando vida a algumas dessas histórias, as jeronimenses Karen Rodrigues e Keyla Echevenguá participam da peça “A Vida como Nelson É’, montada nas oficinas de teatro da Cia de Arte de Porto Alegre, com direção de Bob Bahlis.
As primeiras apresentações aconteceram nos dias 10 e 12 de julho, no teatro da Cia de Arte. Estão marcadas novas sessões para os dias 31 de julho e 7 de agosto, desta vez na Casa de Cultura Mário Quintana, que fica na Rua dos Andradas, 736, centro de Porto Alegre.

Talentos da Gincana

Porém, “A Vida como Nelson É” não é o trabalho de estreia delas nos palcos. Para Karen e Keyla, a Gincana de São Jeronimo foi a porta de entrada para o teatro. Há quase dez anos as duas começaram a participar do evento, cada uma representando sua equipe e, consequentemente descobrindo a paixão pela arte.
- Desde que me lembro, sempre tive interesse pelo meio artístico, seja atuando ou dançando. Meu primeiro curso de teatro foi no TEPA (Teatro Escola de Porto Alegre), onde me apresentei com a peça "Procura-se um defunto", que era baseada na história O Bem Amado, escrita por Dias Gomes. Também tive oportunidade de me aproximar dessa área através do Show de Escolha a Rainha da Gincana de São Jerônimo, onde me apresento desde 2005. Creio que desde a infância me interessava pela atuação, e via isso quando ficava na frente da televisão ou do espelho imitando falas – revela Karen.
A gincana também possibilitou o encontro com o diretor Bob Bahlis. Foi por intermédio do evento que Karen e Keyla conheceram o trabalho de Bob e as oficinas da Cia de Arte.
- Ano passado, o diretor Bob Bahlis foi contratado como jurado das apresentações, e a Karen me falou das oficinas. Eu nunca havia feito nada referente a teatro, meu foco era a dança. Já tinha pensado em fazer algum curso de teatro para me aperfeiçoar mais na área de interpretação, então quando fiquei sabendo das oficinas, me inscrevi e fui participar. Fazer teatro foi algo com que aprendi muito e vou levar pra sempre comigo, pois tudo foi um aprendizado. Nunca tinha feito nenhum trabalho na área e foi algo que me surpreendeu muito.Eu pensava uma coisa e é algo bem diferente, é demais. Foi uma experiência muito produtiva pra mim. Vou continuar fazendo aulas e me aperfeiçoando cada vez mais, e recomendo a todos que tenham vontade de fazer teatro que vão atrás e façam, pois tenho certeza que jamais irão se arrepender – comenta Keyla.

As Histórias de Nelson

Uma mulher curiosa, um homem que tem seis dedos na mão esquerda, um casal de três... A infidelidade e as situações curiosas do cotidiano dos personagens de Nelson dão o tom de “A Vida como Nelson É”. A montagem é uma celebração ao trabalho de um dos mais importantes jornalistas, escritores e dramaturgos do país. Com a coluna, Nelson ganhou fama, principalmente com o público masculino, interessado nas histórias que o ele narrava. No elenco, Rodrigo Obregon, Edgar Rosa, Anelise Karnas, Juliana Minho Vargas, Róger Fric, Manoela Dittgen, Gissele Fajreldines, Roberto Von Baranow, Lauren Anyfah de Castro, Sónia Magina Pereira, Luiz Chanan, Mafalda Panattieri, Rogério Pasquali, Fernando Hammel, Luki Seixas, Paulo del Toro, Karen Rodrigues, Keyla Echevenguá e Mitchel Gonzalez.



- As histórias possuem como tema principal a infidelidade. As minhas personagens na peça não fogem a essa regra: a primeira, Jandira, é uma mulher casada que decide fazer uma experiência extraconjugal, por curiosidade. A segunda, Ieda, também casada, realiza experiências extraconjugais, porém dessa vez com o consentimento do marido. Aliás, essa é uma das características das histórias do Nelson: enredos meio "perturbadores". Mas, ao mesmo tempo que impressionam, eles nos fazem identificar com os personagens. A importância da peça é justamente essa, levar ao público essa identificação com problemas e situações que ocorrem até hoje e que foram elaboradas por alguém que foi um dos mais importantes dramaturgos do nosso país – destaca Karen.
Os personagens de Keyla são diferentes, mas não menos curiosos. Uma jovem que queria casar-se com o homem que amava e uma criança de família pobre são os papeis que ela encarnou durante a preparação do espetáculo.
- Em “Quem morre descansa” fui a Julinha, que trabalhava num escritório com dois rapazes. Ela era uma moça apaixonada por Norberto e queria muito casar-se com ele, mas a história tinha um porém:  ele já era casado. Sua esposa estava muito doente, praticamente morta, e Julinha esperava todos os dias a morte da mesma, pois Norberto, dramatizando a agonia da mulher durante os meses que se passaram, prometeu que se casaria com ela assim que a esposa falecesse. Em “O menorzinho”, eu fazia parte de uma família pobre, que tinha muitos filhos, mas que nenhum sobrevivia, pois sempre morriam de fome. O pai, que vivia bêbado, não dava a mínima para a família. A mãe das crianças tinha o sonho de que ao menos um de seus filhos frequentasse a escola, então nasceu o menorzinho. Porém, ela não sabia que seu sonho causaria um desfecho traumático para a história – diz Keyla.
O diretor da peça, Bob Bahlis, conta como funciona a seleção do tema das peças que são montadas nas oficinas da Cia de Arte, uma vez por semestre. Bob, que já participou de diversas peças, como o “O Clube dos Cinco”, “Stand Up Drama”, “Pedro Malazarte e a Arara Gigante”, do Jorge Furtado e "Filhote de Cruz Credo", do Fabrício Carpinejar, explica como fazer parte das montagens semestrais, aconselha quem deseja aventurar-se no teatro e fala sobre a experiência de ter sido jurado do Show de Escolha da Rainha da Gincana.
 - Quem quiser participar deve mandar email para bob.pop@uol.com.br. Os valores são mensais, R$ 190,00, e as aulas acontecem às segundas e quartas, das 19h30min às 21h45min, no Centro de Porto Alegre, na Cia de Teatro, de 12 de agosto a 12 de dezembro. Faremos outra peça para dezembro. Quem deseja ser ator não deve ficar só na vontade. O processo é lento para uma pessoa acostumar-se ao palco. Também é importante fazer aulas com um bom diretor.O show é sensacional. Foi uma grande surpresa quando entrei naquele ginásio lotado e vi o envolvimento da cidade com a Gincana. Quando cheguei em casa, pesquisei muito sobre a histórias das gincanas no nosso Estado. Os números dos grupos são ótimos. Adorei tudo. Fiquei muito impressionado com o que vi. A Karen e a Keyla já chegaram nas aulas com a bagagem das gincanas, facilitando no processo de aprendizagem – destaca Bob.

Arte na Região Carbonífera

A falta de opções na região para quem deseja seguir carreira no ramo artístico é um fator que dificulta a revelação de novos talentos.
- O cenário cultural da região poderia e deveria ser mais valorizado. Acontece muito de ao termos contato com pessoas de outras cidades, escutarmos que os talentos aqui da região são muito especiais. O pessoal que se envolve com o baile da gincana, na sua grande maioria, não teve nenhuma base profissional, mas dançam e atuam incrivelmente bem. Charqueadas é uma cidade que conta com uma estrutura própria para teatro, mas também acaba não sendo valorizada como deveria. Acho que isso se dá pela falta de investimento nessa área e um pouco pelo próprio público, que não tem conhecimento do tipo de trabalho que pode ser realizado por aqui. Um projeto em cada município, que oficializasse a longo prazo oficinas e locais estruturados para isso, seria um bom começo. Tem muita gente querendo aprender a dançar ou atuar e não sabe onde pode fazer isso – revela Karen.

A Cia de Arte

O Centro Cultural Cia de Arte é um projeto com uma proposta inédita no Brasil: um espaço público totalmente gerido por artistas. Um prédio de nove andares que pertence à Prefeitura de Porto Alegre, aberto a artistas de todas as áreas: teatro, dança, literatura, música, artes visuais, circo e capoeira. Fica na Rua dos Andradas, 1780, centro de Porto Alegre.