Conforme estatísticas da Secretaria Estadual de Educação, a rede de ensino do Rio Grande do Sul conta 48.663 professores, distribuídos em 2.572 escolas nos 496 municípios do Estado.
Fabiana de Moura Serpa, 31 anos, professora de matemática que leciona em
Charqueadas, General Câmara e São Jerônimo, cidades da região carbonífera do
estado, também é um desses milhares de profissionais que por diversas vezes
abrem mão da sua vida pessoal para disseminar sua sabedoria e conhecimento. Ela
viaja diariamente por vinte e dois quilômetros até o seu primeiro destino, e
inicia sua jornada pontualmente às 7h45min, da maneira mais tradicional
possível: escrevendo num envelhecido quadro negro, com um giz branco e outro
amarelo, na Escola João Canabarro, em General Câmara.
Durante seus turnos de trabalho, com muita paciência e dedicação,
Fabiana enfrenta três realidades completamente diferentes: crianças de até dois
anos do Ensino Infantil, adolescentes do Ensino Fundamental e Médio, e o EJA
(Educação e Jovens e Adultos), que conta com alunos das mais diversas faixas
etárias. Em meio a problemas matemáticos, expressões numéricas, frações e
fórmulas de cálculo, o brilho que Fabiana carrega no olhar ao falar sobre sua
escolha profissional mostra o orgulho que ela sente em ser professora.
Considerando a distância que compreende o trajeto entre as Escolas João
Canabarro, que fica em General Câmara, Carlos Arno Pretzel, que se localiza em
São Jerônimo, e a Escola Vila Cruz de Malta, em Charqueadas, Fabiana percorre
cerca de cinquenta quilômetros diariamente para dar suas aulas.
- Moro em Charqueadas e preciso estar em General Câmara às 7h30min.
Então, tenho que sair de casa às 6h45min para não me atrasar. O fato de as três
cidades em que eu dou aula serem próximas facilita a minha locomoção e a
adaptação com essa rotina. A distância não chega a ser um grande problema, mas
é um dos fatores que dificulta, pois torna o dia muito mais cansativo –
comenta.
Em dez anos de carreira, Fabiana calcula que tenha tido aproximadamente
1.000 alunos. A amizade que é construída com eles diariamente, ao lado da tão
temida matemática, se fortalece pelo carinho com que os estudantes têm com a
professora. Ela garante que sempre conseguiu estabelecer uma boa relação com
todos eles, relembrando carinhosamente de alguns fatos.
– Nunca tive problemas com alunos, sempre fui respeitada. Acho que por
ser professora de matemática, eles ficam mais apreensivos com a minha aula e
tentam prestar mais atenção no conteúdo. Eu procuro ter uma relação de amizade
com eles. Muitas vezes, no meio da aula surgem assuntos que não são ligados à
disciplina, mas que são do interesse da turma, e eu procuro não limitá-los no
sentido de expressarem-se – revela.
Preocupada com os rumos que a educação
tem tomado, ela também ressalta que a presença dos pais na escola é fundamental
para o crescimento do aluno, tanto no aprendizado quanto no amadurecimento
pessoal.
- A única coisa que eu noto neles, cada vez mais, é a falta de limites.
Também sinto falta da presença dos pais na educação dos alunos, de virem à
escola, de perguntarem sobre o comportamento dos filhos, se eles têm alguma
dificuldade. Uma vez chamei para uma conversa os pais de um aluno que não
prestava atenção na aula e que obtinha resultados ruins nas avaliações. Depois
disso, ele se tornou o melhor da turma, não só na minha disciplina, mas em
todas as outras. Por isso acho importante essa participação da família no
ambiente escolar, é bom pra todas as partes, todos tem a ganhar – acredita.
Como todo bom professor, Fabiana estabelece alguns métodos de aplicação
de conteúdos e de avaliações. Atenciosa, ela tenta tornar o ensino da
matemática mais leve e simples, pois sabe que a disciplina exige um esforço
maior por parte dos alunos. Além de dominar os números, Fabiana também domina
totalmente o andamento das aulas, que mais parecem uma conversa amigável sobre
cálculos.
- Claro que existe a cobrança, mas procuro fazer isso da maneira mais
agradável possível. Tenho um sistema de carimbos, especialmente com os alunos
do 6º ano, que funciona da seguinte maneira: quem fez a lição, ganha uma
carinha feliz no caderno, que no final do trimestre vale alguns pontos extras,
como motivação pelo esforço no trabalho, e eles valorizam muito isso. Ao final do
ano letivo, faço um balanço do que fiz e do que poderia ter feito em aula.
Analiso tudo que foi proposto e realizado, sempre buscando melhorar o andamento
das aulas e o desempenho dos alunos para o próximo ano – afirma.
Educação infantil, um gratificante
desafio na trajetória de Fabiana
Meio-dia. Depois do almoço, Fabiana
precisa percorrer mais doze quilômetros até o seu próximo desafio: cuidar de
crianças de cerca de dois anos de idade que estão na fase inicial de aprendizado,
na E.M.E.I Carlos Arno Pretzel, em São Jerônimo. Lá, a rotina de conteúdos é
completamente distinta do restante do dia, pois ela lida com alunos que estão
aprendendo a falar e que por isso necessitam de uma atenção diferenciada do
professor. Durante a tarde, a professora desenvolve atividades educativas,
brincadeiras e demonstra grande preocupação ao tomar conta das crianças, num
cuidado quase materno.
- Eles nos contam muitas coisas de casa, eles têm a necessidade de falar
sobre isso. Na maioria das vezes, não pedem conselhos ou opiniões, querem
apenas contar o que acontece. Aprendi muito com meus alunos da Educação
Infantil, é uma experiência desafiadora e gratificante. As crianças entram aqui
sem saber falar, ou falando poucas palavras, e a gente vê toda a evolução e
crescimento deles. É uma coisa fantástica, surpreendente, não sei dizer bem o
que é. Isso me fascina - conta emocionada.
Ensino Médio e EJA durante a noite
Mas o dia de Fabiana ainda não acabou.
À noite, ela percorre mais dez quilômetros até Charqueadas, onde dá aula para
turmas de Ensino Médio e EJA. Ela relata que os alunos desse turno, por serem
mais maduros e terem outras responsabilidades além da escola, demonstram grande
interesse em aprender e vivenciar o ambiente escolar, para no futuro terem
condições de passar no vestibular ou no ENEM.
- No EJA, a maioria do pessoal é muito interessada em aprender. Mas eu
vejo que eles também buscam outras coisas na sala de aula, como trocas de
experiências de vida com os colegas e também com os professores. Certa vez uma
senhora, minha aluna no EJA, disse que ia pra aula pra fugir dos problemas de
casa, e isso me marcou muito – lembra.
Ao final da noite, depois do longo dia de ensinamentos e aprendizados, Fabiana
continua demonstrando amor e dedicação ao trabalho, apesar do cansaço.
- Se eu for fazer o cálculo, sei que muitas vezes estou pagando pra
trabalhar, mas meu sonho sempre foi ser professora. Faço isso muito mais por
amor à profissão do que por dinheiro. A rotina é desgastante, mas no final das
contas vale a pena, pois, caso eu não gostasse de dar aula, existem outras
opções de trabalho por aí. Já são quase dez anos de carreira, e apesar de tudo,
não tenho do que me queixar. Uma vez, junto com outros professores, ouvi de um
governante que ao aceitarmos esse cargo, sabíamos das dificuldades que
enfrentaríamos, e que então não poderíamos reclamar. Gostaria que os
governantes entendessem que ser professor não é somente uma missão, e sim uma
profissão, que merece ser devidamente reconhecida – comenta.
Ela ainda conta que tem alguns outros sonhos a realizar, fica pensativa
por um tempo e revela:
- Não quero parar de estudar, pretendo fazer mestrado, doutorado e dar
aula em alguma universidade, sempre na área da matemática – conclui.
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