segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Professora ao cubo


Conforme estatísticas da Secretaria Estadual de Educação, a rede de ensino do Rio Grande do Sul conta 48.663 professores, distribuídos em 2.572 escolas nos 496 municípios do Estado.
Fabiana de Moura Serpa, 31 anos, professora de matemática que leciona em Charqueadas, General Câmara e São Jerônimo, cidades da região carbonífera do estado, também é um desses milhares de profissionais que por diversas vezes abrem mão da sua vida pessoal para disseminar sua sabedoria e conhecimento. Ela viaja diariamente por vinte e dois quilômetros até o seu primeiro destino, e inicia sua jornada pontualmente às 7h45min, da maneira mais tradicional possível: escrevendo num envelhecido quadro negro, com um giz branco e outro amarelo, na Escola João Canabarro, em General Câmara.
Durante seus turnos de trabalho, com muita paciência e dedicação, Fabiana enfrenta três realidades completamente diferentes: crianças de até dois anos do Ensino Infantil, adolescentes do Ensino Fundamental e Médio, e o EJA (Educação e Jovens e Adultos), que conta com alunos das mais diversas faixas etárias. Em meio a problemas matemáticos, expressões numéricas, frações e fórmulas de cálculo, o brilho que Fabiana carrega no olhar ao falar sobre sua escolha profissional mostra o orgulho que ela sente em ser professora.
Considerando a distância que compreende o trajeto entre as Escolas João Canabarro, que fica em General Câmara, Carlos Arno Pretzel, que se localiza em São Jerônimo, e a Escola Vila Cruz de Malta, em Charqueadas, Fabiana percorre cerca de cinquenta quilômetros diariamente para dar suas aulas.
- Moro em Charqueadas e preciso estar em General Câmara às 7h30min. Então, tenho que sair de casa às 6h45min para não me atrasar. O fato de as três cidades em que eu dou aula serem próximas facilita a minha locomoção e a adaptação com essa rotina. A distância não chega a ser um grande problema, mas é um dos fatores que dificulta, pois torna o dia muito mais cansativo – comenta.
Em dez anos de carreira, Fabiana calcula que tenha tido aproximadamente 1.000 alunos. A amizade que é construída com eles diariamente, ao lado da tão temida matemática, se fortalece pelo carinho com que os estudantes têm com a professora. Ela garante que sempre conseguiu estabelecer uma boa relação com todos eles, relembrando carinhosamente de alguns fatos.
– Nunca tive problemas com alunos, sempre fui respeitada. Acho que por ser professora de matemática, eles ficam mais apreensivos com a minha aula e tentam prestar mais atenção no conteúdo. Eu procuro ter uma relação de amizade com eles. Muitas vezes, no meio da aula surgem assuntos que não são ligados à disciplina, mas que são do interesse da turma, e eu procuro não limitá-los no sentido de expressarem-se – revela.
Preocupada com os rumos que a educação tem tomado, ela também ressalta que a presença dos pais na escola é fundamental para o crescimento do aluno, tanto no aprendizado quanto no amadurecimento pessoal.
- A única coisa que eu noto neles, cada vez mais, é a falta de limites. Também sinto falta da presença dos pais na educação dos alunos, de virem à escola, de perguntarem sobre o comportamento dos filhos, se eles têm alguma dificuldade. Uma vez chamei para uma conversa os pais de um aluno que não prestava atenção na aula e que obtinha resultados ruins nas avaliações. Depois disso, ele se tornou o melhor da turma, não só na minha disciplina, mas em todas as outras. Por isso acho importante essa participação da família no ambiente escolar, é bom pra todas as partes, todos tem a ganhar – acredita.

Como todo bom professor, Fabiana estabelece alguns métodos de aplicação de conteúdos e de avaliações. Atenciosa, ela tenta tornar o ensino da matemática mais leve e simples, pois sabe que a disciplina exige um esforço maior por parte dos alunos. Além de dominar os números, Fabiana também domina totalmente o andamento das aulas, que mais parecem uma conversa amigável sobre cálculos.
- Claro que existe a cobrança, mas procuro fazer isso da maneira mais agradável possível. Tenho um sistema de carimbos, especialmente com os alunos do 6º ano, que funciona da seguinte maneira: quem fez a lição, ganha uma carinha feliz no caderno, que no final do trimestre vale alguns pontos extras, como motivação pelo esforço no trabalho, e eles valorizam muito isso. Ao final do ano letivo, faço um balanço do que fiz e do que poderia ter feito em aula. Analiso tudo que foi proposto e realizado, sempre buscando melhorar o andamento das aulas e o desempenho dos alunos para o próximo ano – afirma.

Educação infantil, um gratificante desafio na trajetória de Fabiana

Meio-dia. Depois do almoço, Fabiana precisa percorrer mais doze quilômetros até o seu próximo desafio: cuidar de crianças de cerca de dois anos de idade que estão na fase inicial de aprendizado, na E.M.E.I Carlos Arno Pretzel, em São Jerônimo. Lá, a rotina de conteúdos é completamente distinta do restante do dia, pois ela lida com alunos que estão aprendendo a falar e que por isso necessitam de uma atenção diferenciada do professor. Durante a tarde, a professora desenvolve atividades educativas, brincadeiras e demonstra grande preocupação ao tomar conta das crianças, num cuidado quase materno.
- Eles nos contam muitas coisas de casa, eles têm a necessidade de falar sobre isso. Na maioria das vezes, não pedem conselhos ou opiniões, querem apenas contar o que acontece. Aprendi muito com meus alunos da Educação Infantil, é uma experiência desafiadora e gratificante. As crianças entram aqui sem saber falar, ou falando poucas palavras, e a gente vê toda a evolução e crescimento deles. É uma coisa fantástica, surpreendente, não sei dizer bem o que é. Isso me fascina - conta emocionada.


Ensino Médio e EJA durante a noite

Mas o dia de Fabiana ainda não acabou. À noite, ela percorre mais dez quilômetros até Charqueadas, onde dá aula para turmas de Ensino Médio e EJA. Ela relata que os alunos desse turno, por serem mais maduros e terem outras responsabilidades além da escola, demonstram grande interesse em aprender e vivenciar o ambiente escolar, para no futuro terem condições de passar no vestibular ou no ENEM.
- No EJA, a maioria do pessoal é muito interessada em aprender. Mas eu vejo que eles também buscam outras coisas na sala de aula, como trocas de experiências de vida com os colegas e também com os professores. Certa vez uma senhora, minha aluna no EJA, disse que ia pra aula pra fugir dos problemas de casa, e isso me marcou muito – lembra.

Ao final da noite, depois do longo dia de ensinamentos e aprendizados, Fabiana continua demonstrando amor e dedicação ao trabalho, apesar do cansaço.
- Se eu for fazer o cálculo, sei que muitas vezes estou pagando pra trabalhar, mas meu sonho sempre foi ser professora. Faço isso muito mais por amor à profissão do que por dinheiro. A rotina é desgastante, mas no final das contas vale a pena, pois, caso eu não gostasse de dar aula, existem outras opções de trabalho por aí. Já são quase dez anos de carreira, e apesar de tudo, não tenho do que me queixar. Uma vez, junto com outros professores, ouvi de um governante que ao aceitarmos esse cargo, sabíamos das dificuldades que enfrentaríamos, e que então não poderíamos reclamar. Gostaria que os governantes entendessem que ser professor não é somente uma missão, e sim uma profissão, que merece ser devidamente reconhecida – comenta.
Ela ainda conta que tem alguns outros sonhos a realizar, fica pensativa por um tempo e revela:
- Não quero parar de estudar, pretendo fazer mestrado, doutorado e dar aula em alguma universidade, sempre na área da matemática – conclui.

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