segunda-feira, 20 de maio de 2013

Sangue quente, café frio

O sangue lhe subia à cabeça, como um trem-bala. Aquele nó que tinha se formado em seu estômago estava cada vez mais apertado. “Como ela pode fazer isso comigo?”, perguntava-se Pedro, sem encontrar nenhuma resposta convincente.  Inquieto, ele andava de um lado pro outro dentro de seu apartamento, buscando uma resposta que jamais viria. Laura não retornaria suas ligações, seus emails e suas tentativas desesperadas de compreender aquela situação. Para ela, desaparecer sem deixar rastros era a melhor explicação naquele momento. Ela já tinha decidido o que era melhor para os dois.

Tarjas pretas misturadas com vodka, numa tentativa enlouquecida de afogar os pensamentos. Pedro não sabia o que fazer, quanta raiva ele sentia. Tudo o que tinham vivido fora jogado no lixo. Laura, tão egoísta, transformou sua vida em um pesadelo.  Ela só disse adeus ao sair pela porta, depois da última briga. Nada mais existia, então. O noivado de cinco anos que nunca viraria um casamento. Os filhos, tão planejados, e que jamais chegariam. A casa na praia, de frente para o mar. Tudo desmoronou do dia para a noite. 
Uma caneca de café sem açúcar, do outro lado da cidade. Aquela amargura era a única companhia de Laura, naquela noite fria de julho. Ela também estava preocupada, e achava que sabia o que precisava fazer, enganando-se por incontáveis horas. O que teria deixado Pedro tão furioso? Um ataque de ciúmes? Nada fazia sentido, e o que tinha acontecido na noite passada, em seu apartamento, era o enterro simbólico daquele romance. Garrafas quebradas, portas batendo, veias pulsando. Até a tinta das paredes perdeu a cor por alguns momentos. Laura só sabia que nunca mais voltaria para aquele lugar. Ela cansou, pois todo mundo, um dia que seja, cansa de tentar.
A personalidade de Pedro não era fácil. As brigas eram cada vez mais freqüentes e infundadas. As sequelas que os gritos e ofensas tinham deixado talvez não pudessem ser superadas. Não agora, pelo menos. Não, eles não poderiam mais ferir-se, seria uma injustiça com o passado. Era melhor guardar as facas, esconder as armas e sair pra pensar. O desgaste não valia mais à pena. Não até encontrarem todos aqueles sentimentos que foram perdidos no meio de tanto rancor, de tanto veneno. Talvez aquele amor não tenha sobrevivido aos constantes ataques terroristas da raiva.

*conto produzido para a cadeira de Escrita Criativa

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Refletindo sobre o reflexo


Acordei de um jeito diferente, com uma sensação estranha. Algo tinha mudado em mim, mas não sabia definir. Olhei-me no espelho e parei para pensar na vida... Vejam só vocês.

Como se estivesse em um delírio inconsciente, comecei a viajar, e fui para bem longe, me lembrando de quando era pequeno. Olhei para as minhas mãos - elas cresceram muito pouco desde então - e senti saudade dos brinquedos daquela época (e do meu quarto cheio deles), de andar de bicicleta e viver esfolado, todo vermelho, pintado daquele mercúrio que ardia. Nossa, todas as comidas da minha avó tinham um gosto diferente e bom! É triste saber que nada daquilo vai voltar. Acordei descobrindo que o tempo é cruel.

Inevitavelmente, lembrei-me de todos os amigos que foram ficando para trás, alguns deles nem me reconhecem mais na rua. Junto com isso me vieram à mente todos os outros que chegaram e ocuparam aquele espaço que havia ficado vazio. Na vida, algumas coisas são substituídas por necessidade, outras por conveniência, e no fim das contas o que perdura é raro.  Acordei descobrindo o que é ser realista.

Olhei pro meu rosto, e não pude deixar de reparar em como mudei. Agora dou razão para as inúmeras amigas da minha mãe – aquelas que apertavam minhas bochechas incansavelmente – que nos encontram na rua e repetem, espantadas: “esse é aquele gurizinho que andava contigo em todos os lugares?” ou ‘’como ele cresceu... ’’. Eu cresci mesmo, analisando a altura, mas às vezes me sinto uma criança perdida, que não sabe o que faz nem para onde vai. É, acordei nostálgico.

Olhei pro meu cabelo.  Já foi grande, raspado, sujo... E como sempre, nunca fica do jeito que eu quero. Existem algumas semelhanças entre ele e a minha vida (guardadas as devidas proporções): está sempre caindo, às vezes cresce, de vez em quando tenho vontade de mudar tudo nele, e no fim das contas sempre tem alguém achando que ficaria melhor de outro jeito. Então eu parei de me olhar, essa viagem revisitando algumas delícias e mais alguns fantasmas já estava ficando tensa.

É muito estranho analisar a própria vida do lado de fora. Olho-me nesse reflexo do espelho e não vejo um cara de 22 anos que está na faculdade e que até já trabalhou – e foi demitido também –. Mais estranho ainda é lembrar-me de quando tinha uns 10 ou 11 anos e as pessoas ressaltavam minha maturidade precoce, que hoje em dia parece não se fazer mais presente. Estou indo no sentido contrário, então? Tudo mudou, e ainda não entendo.

Mas eu também mudei... E talvez aquele eu de um tempo atrás não se reconheça mais.  Acho que acordei para a vida, enfim.