terça-feira, 16 de julho de 2013

A Vida Como Ela É - Das gincanas para os palcos da capital

Karen e Keyla, talentos revelados em eventos culturais da região, destacam-se em peça baseada na obra do dramaturgo Nelson Rodrigues

Douglas Abreu

Histórias surpreendentes sobre infidelidade e peculiaridades de vidas quase normais. A coluna “A Vida Como Ela É” de Nelson Rodrigues no jornal carioca “A Última Hora”, foi publicada de 1951 a 1961. A princípio, o espaço deveria chamar-se “Atire a Primeira Pedra” e contar com uma ficção diária inspirada em uma notícia do caderno policial. Após um certo tempo, Nelson sugeriu a mudança de título e, aos poucos, passou a criar suas próprias histórias, que surgiam de casos que ouvia nas ruas, da observação dos subúrbios cariocas e de casos fantásticos que escutava quando criança.
Dando vida a algumas dessas histórias, as jeronimenses Karen Rodrigues e Keyla Echevenguá participam da peça “A Vida como Nelson É’, montada nas oficinas de teatro da Cia de Arte de Porto Alegre, com direção de Bob Bahlis.
As primeiras apresentações aconteceram nos dias 10 e 12 de julho, no teatro da Cia de Arte. Estão marcadas novas sessões para os dias 31 de julho e 7 de agosto, desta vez na Casa de Cultura Mário Quintana, que fica na Rua dos Andradas, 736, centro de Porto Alegre.

Talentos da Gincana

Porém, “A Vida como Nelson É” não é o trabalho de estreia delas nos palcos. Para Karen e Keyla, a Gincana de São Jeronimo foi a porta de entrada para o teatro. Há quase dez anos as duas começaram a participar do evento, cada uma representando sua equipe e, consequentemente descobrindo a paixão pela arte.
- Desde que me lembro, sempre tive interesse pelo meio artístico, seja atuando ou dançando. Meu primeiro curso de teatro foi no TEPA (Teatro Escola de Porto Alegre), onde me apresentei com a peça "Procura-se um defunto", que era baseada na história O Bem Amado, escrita por Dias Gomes. Também tive oportunidade de me aproximar dessa área através do Show de Escolha a Rainha da Gincana de São Jerônimo, onde me apresento desde 2005. Creio que desde a infância me interessava pela atuação, e via isso quando ficava na frente da televisão ou do espelho imitando falas – revela Karen.
A gincana também possibilitou o encontro com o diretor Bob Bahlis. Foi por intermédio do evento que Karen e Keyla conheceram o trabalho de Bob e as oficinas da Cia de Arte.
- Ano passado, o diretor Bob Bahlis foi contratado como jurado das apresentações, e a Karen me falou das oficinas. Eu nunca havia feito nada referente a teatro, meu foco era a dança. Já tinha pensado em fazer algum curso de teatro para me aperfeiçoar mais na área de interpretação, então quando fiquei sabendo das oficinas, me inscrevi e fui participar. Fazer teatro foi algo com que aprendi muito e vou levar pra sempre comigo, pois tudo foi um aprendizado. Nunca tinha feito nenhum trabalho na área e foi algo que me surpreendeu muito.Eu pensava uma coisa e é algo bem diferente, é demais. Foi uma experiência muito produtiva pra mim. Vou continuar fazendo aulas e me aperfeiçoando cada vez mais, e recomendo a todos que tenham vontade de fazer teatro que vão atrás e façam, pois tenho certeza que jamais irão se arrepender – comenta Keyla.

As Histórias de Nelson

Uma mulher curiosa, um homem que tem seis dedos na mão esquerda, um casal de três... A infidelidade e as situações curiosas do cotidiano dos personagens de Nelson dão o tom de “A Vida como Nelson É”. A montagem é uma celebração ao trabalho de um dos mais importantes jornalistas, escritores e dramaturgos do país. Com a coluna, Nelson ganhou fama, principalmente com o público masculino, interessado nas histórias que o ele narrava. No elenco, Rodrigo Obregon, Edgar Rosa, Anelise Karnas, Juliana Minho Vargas, Róger Fric, Manoela Dittgen, Gissele Fajreldines, Roberto Von Baranow, Lauren Anyfah de Castro, Sónia Magina Pereira, Luiz Chanan, Mafalda Panattieri, Rogério Pasquali, Fernando Hammel, Luki Seixas, Paulo del Toro, Karen Rodrigues, Keyla Echevenguá e Mitchel Gonzalez.



- As histórias possuem como tema principal a infidelidade. As minhas personagens na peça não fogem a essa regra: a primeira, Jandira, é uma mulher casada que decide fazer uma experiência extraconjugal, por curiosidade. A segunda, Ieda, também casada, realiza experiências extraconjugais, porém dessa vez com o consentimento do marido. Aliás, essa é uma das características das histórias do Nelson: enredos meio "perturbadores". Mas, ao mesmo tempo que impressionam, eles nos fazem identificar com os personagens. A importância da peça é justamente essa, levar ao público essa identificação com problemas e situações que ocorrem até hoje e que foram elaboradas por alguém que foi um dos mais importantes dramaturgos do nosso país – destaca Karen.
Os personagens de Keyla são diferentes, mas não menos curiosos. Uma jovem que queria casar-se com o homem que amava e uma criança de família pobre são os papeis que ela encarnou durante a preparação do espetáculo.
- Em “Quem morre descansa” fui a Julinha, que trabalhava num escritório com dois rapazes. Ela era uma moça apaixonada por Norberto e queria muito casar-se com ele, mas a história tinha um porém:  ele já era casado. Sua esposa estava muito doente, praticamente morta, e Julinha esperava todos os dias a morte da mesma, pois Norberto, dramatizando a agonia da mulher durante os meses que se passaram, prometeu que se casaria com ela assim que a esposa falecesse. Em “O menorzinho”, eu fazia parte de uma família pobre, que tinha muitos filhos, mas que nenhum sobrevivia, pois sempre morriam de fome. O pai, que vivia bêbado, não dava a mínima para a família. A mãe das crianças tinha o sonho de que ao menos um de seus filhos frequentasse a escola, então nasceu o menorzinho. Porém, ela não sabia que seu sonho causaria um desfecho traumático para a história – diz Keyla.
O diretor da peça, Bob Bahlis, conta como funciona a seleção do tema das peças que são montadas nas oficinas da Cia de Arte, uma vez por semestre. Bob, que já participou de diversas peças, como o “O Clube dos Cinco”, “Stand Up Drama”, “Pedro Malazarte e a Arara Gigante”, do Jorge Furtado e "Filhote de Cruz Credo", do Fabrício Carpinejar, explica como fazer parte das montagens semestrais, aconselha quem deseja aventurar-se no teatro e fala sobre a experiência de ter sido jurado do Show de Escolha da Rainha da Gincana.
 - Quem quiser participar deve mandar email para bob.pop@uol.com.br. Os valores são mensais, R$ 190,00, e as aulas acontecem às segundas e quartas, das 19h30min às 21h45min, no Centro de Porto Alegre, na Cia de Teatro, de 12 de agosto a 12 de dezembro. Faremos outra peça para dezembro. Quem deseja ser ator não deve ficar só na vontade. O processo é lento para uma pessoa acostumar-se ao palco. Também é importante fazer aulas com um bom diretor.O show é sensacional. Foi uma grande surpresa quando entrei naquele ginásio lotado e vi o envolvimento da cidade com a Gincana. Quando cheguei em casa, pesquisei muito sobre a histórias das gincanas no nosso Estado. Os números dos grupos são ótimos. Adorei tudo. Fiquei muito impressionado com o que vi. A Karen e a Keyla já chegaram nas aulas com a bagagem das gincanas, facilitando no processo de aprendizagem – destaca Bob.

Arte na Região Carbonífera

A falta de opções na região para quem deseja seguir carreira no ramo artístico é um fator que dificulta a revelação de novos talentos.
- O cenário cultural da região poderia e deveria ser mais valorizado. Acontece muito de ao termos contato com pessoas de outras cidades, escutarmos que os talentos aqui da região são muito especiais. O pessoal que se envolve com o baile da gincana, na sua grande maioria, não teve nenhuma base profissional, mas dançam e atuam incrivelmente bem. Charqueadas é uma cidade que conta com uma estrutura própria para teatro, mas também acaba não sendo valorizada como deveria. Acho que isso se dá pela falta de investimento nessa área e um pouco pelo próprio público, que não tem conhecimento do tipo de trabalho que pode ser realizado por aqui. Um projeto em cada município, que oficializasse a longo prazo oficinas e locais estruturados para isso, seria um bom começo. Tem muita gente querendo aprender a dançar ou atuar e não sabe onde pode fazer isso – revela Karen.

A Cia de Arte

O Centro Cultural Cia de Arte é um projeto com uma proposta inédita no Brasil: um espaço público totalmente gerido por artistas. Um prédio de nove andares que pertence à Prefeitura de Porto Alegre, aberto a artistas de todas as áreas: teatro, dança, literatura, música, artes visuais, circo e capoeira. Fica na Rua dos Andradas, 1780, centro de Porto Alegre.






segunda-feira, 20 de maio de 2013

Sangue quente, café frio

O sangue lhe subia à cabeça, como um trem-bala. Aquele nó que tinha se formado em seu estômago estava cada vez mais apertado. “Como ela pode fazer isso comigo?”, perguntava-se Pedro, sem encontrar nenhuma resposta convincente.  Inquieto, ele andava de um lado pro outro dentro de seu apartamento, buscando uma resposta que jamais viria. Laura não retornaria suas ligações, seus emails e suas tentativas desesperadas de compreender aquela situação. Para ela, desaparecer sem deixar rastros era a melhor explicação naquele momento. Ela já tinha decidido o que era melhor para os dois.

Tarjas pretas misturadas com vodka, numa tentativa enlouquecida de afogar os pensamentos. Pedro não sabia o que fazer, quanta raiva ele sentia. Tudo o que tinham vivido fora jogado no lixo. Laura, tão egoísta, transformou sua vida em um pesadelo.  Ela só disse adeus ao sair pela porta, depois da última briga. Nada mais existia, então. O noivado de cinco anos que nunca viraria um casamento. Os filhos, tão planejados, e que jamais chegariam. A casa na praia, de frente para o mar. Tudo desmoronou do dia para a noite. 
Uma caneca de café sem açúcar, do outro lado da cidade. Aquela amargura era a única companhia de Laura, naquela noite fria de julho. Ela também estava preocupada, e achava que sabia o que precisava fazer, enganando-se por incontáveis horas. O que teria deixado Pedro tão furioso? Um ataque de ciúmes? Nada fazia sentido, e o que tinha acontecido na noite passada, em seu apartamento, era o enterro simbólico daquele romance. Garrafas quebradas, portas batendo, veias pulsando. Até a tinta das paredes perdeu a cor por alguns momentos. Laura só sabia que nunca mais voltaria para aquele lugar. Ela cansou, pois todo mundo, um dia que seja, cansa de tentar.
A personalidade de Pedro não era fácil. As brigas eram cada vez mais freqüentes e infundadas. As sequelas que os gritos e ofensas tinham deixado talvez não pudessem ser superadas. Não agora, pelo menos. Não, eles não poderiam mais ferir-se, seria uma injustiça com o passado. Era melhor guardar as facas, esconder as armas e sair pra pensar. O desgaste não valia mais à pena. Não até encontrarem todos aqueles sentimentos que foram perdidos no meio de tanto rancor, de tanto veneno. Talvez aquele amor não tenha sobrevivido aos constantes ataques terroristas da raiva.

*conto produzido para a cadeira de Escrita Criativa

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Refletindo sobre o reflexo


Acordei de um jeito diferente, com uma sensação estranha. Algo tinha mudado em mim, mas não sabia definir. Olhei-me no espelho e parei para pensar na vida... Vejam só vocês.

Como se estivesse em um delírio inconsciente, comecei a viajar, e fui para bem longe, me lembrando de quando era pequeno. Olhei para as minhas mãos - elas cresceram muito pouco desde então - e senti saudade dos brinquedos daquela época (e do meu quarto cheio deles), de andar de bicicleta e viver esfolado, todo vermelho, pintado daquele mercúrio que ardia. Nossa, todas as comidas da minha avó tinham um gosto diferente e bom! É triste saber que nada daquilo vai voltar. Acordei descobrindo que o tempo é cruel.

Inevitavelmente, lembrei-me de todos os amigos que foram ficando para trás, alguns deles nem me reconhecem mais na rua. Junto com isso me vieram à mente todos os outros que chegaram e ocuparam aquele espaço que havia ficado vazio. Na vida, algumas coisas são substituídas por necessidade, outras por conveniência, e no fim das contas o que perdura é raro.  Acordei descobrindo o que é ser realista.

Olhei pro meu rosto, e não pude deixar de reparar em como mudei. Agora dou razão para as inúmeras amigas da minha mãe – aquelas que apertavam minhas bochechas incansavelmente – que nos encontram na rua e repetem, espantadas: “esse é aquele gurizinho que andava contigo em todos os lugares?” ou ‘’como ele cresceu... ’’. Eu cresci mesmo, analisando a altura, mas às vezes me sinto uma criança perdida, que não sabe o que faz nem para onde vai. É, acordei nostálgico.

Olhei pro meu cabelo.  Já foi grande, raspado, sujo... E como sempre, nunca fica do jeito que eu quero. Existem algumas semelhanças entre ele e a minha vida (guardadas as devidas proporções): está sempre caindo, às vezes cresce, de vez em quando tenho vontade de mudar tudo nele, e no fim das contas sempre tem alguém achando que ficaria melhor de outro jeito. Então eu parei de me olhar, essa viagem revisitando algumas delícias e mais alguns fantasmas já estava ficando tensa.

É muito estranho analisar a própria vida do lado de fora. Olho-me nesse reflexo do espelho e não vejo um cara de 22 anos que está na faculdade e que até já trabalhou – e foi demitido também –. Mais estranho ainda é lembrar-me de quando tinha uns 10 ou 11 anos e as pessoas ressaltavam minha maturidade precoce, que hoje em dia parece não se fazer mais presente. Estou indo no sentido contrário, então? Tudo mudou, e ainda não entendo.

Mas eu também mudei... E talvez aquele eu de um tempo atrás não se reconheça mais.  Acho que acordei para a vida, enfim.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Dia Internacional da Mulher - Tiro de laço feminino


O Dia Internacional da Mulher, instituído pelas Nações Unidas em dezembro de 1977, é celebrado todos os anos no dia 8 de março, como uma comemoração das conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres através das décadas. Essa comemoração teve origem na Rússia, com as manifestações de mulheres por melhores condições de vida e trabalho, durante a Primeira Guerra Mundial. Desde então, a mulher tem conquistado o seu espaço em diversas áreas da sociedade e mostrado que o estigma de sexo frágil é coisa do passado. Luciane Santos, de 32 anos, participa de competições de tiro de laço por todo o Estado e mostra a força da mulher na lida campeira.

O início

- Faz sete anos que eu participo de tiro de laço. Comecei a gostar dessas competições quando eu dançava na invernada do CTG Quero-Quero. Na época que eu comecei, eram poucas mulheres que participavam, mas nos últimos tempos isso tem mudado. O índice de mulheres participando de provas campeiras cresceu muito. Ano passado, no rodeio de Porto Alegre, concorreram cerca de 150 prendas nessas provas. Quando a gente começa, dá um pouco de medo de laçar só no meio de homens e enfrentar preconceito, a gente fica assustada, mas depois passa. Os homens, em teoria, são mais fortes que as mulheres. Mas a mulher também tem a sua força. Quando a mulher quer conquistar algo, ela vai atrás – conta.
Luciane destaca o orgulho que sente ao participar de rodeios. Entusiasmada, ela conta que desde o início dessa trajetória contou com o apoio do marido, Alex Santos, que também participa de competições de tiro de laço.
- Nunca me imaginei em cima de um cavalo, laçando. A gente sofre preconceito, mas a mulher está conquistando o seu espaço em todas as áreas. Cada competição que a gente participa é uma conquista, é mostrar que a lida campeira não é só para os homens, e mostrar que somos capazes. Eu aprendi a laçar com o meu marido, que na época era meu namorado. Ele perguntou se eu gostaria de acompanhar as competições pra assisti-lo, e eu fui. Eu me perguntava se um dia conseguiria montar num cavalo, laçar e aprender, e ele me incentivou muito a aprender. Hoje, o nosso filho, que tem um ano, já demonstra interesse na lida campeira, só de nos ver envolvidos com isso. Pra mim, é um orgulho – comenta.

Sem medo de dar o primeiro passo

Ela também conta que nas primeiras competições de que participou, via poucas ou quase nenhuma mulher competindo. Segundo Luciane, o número de participantes tem aumentado, devido ao incentivo e a diminuição do preconceito.
- Eu ficava muito nervosa, o coração batia muito forte. No início, tu queres fazer bonito, não quer errar e passar vergonha. A minha maior dificuldade mesmo foi enfrentar o preconceito, mas graças a Deus o pessoal que participa dos rodeios é bem hospitaleiro e foi se acostumando com a ideia. Acho que as mulheres precisavam de um incentivo pra se encorajar a participar, e, por isso, hoje em dia o número de prendas nas competições é bem maior. Não tem mais que se preocupar com isso, temos muito espaço no meio, e os homens nos respeitam muito. Tem que dar o primeiro passo, sem pensar naquela pedrinha que tu podes encontrar no teu caminho. Se tu cair, levanta e vai de novo, sem desistir. Tem que ir à luta. Eu não sabia nem montar, e aprendi tudo com o tempo. É muito gratificante. Todas as gurias que vieram me pedir conselhos, hoje em dia estão laçando – revela.

Laço perfumado

A vaidade feminina também é um destaque nas competições de que Luciane participa. Ela revela que o cuidado com a aparência está sempre presente nas competições de tiro de laço de prendas e no tratamento dos animais.
- A mulher tem capricho com a encilha do cavalo, com a bombacha, com o lenço, com o cavalo... Elas colocam uma camisa bem bonita, algumas até vão maquiadas. Isso é da natureza da mulher, e nem a lida impede que a o nosso lado feminino tenha destaque na lida campeira também - diz.

Maternidade

Luciane não abandonou o mundo das competições nem durante a gravidez. Ela conta que sempre teve cuidado para não prejudicar a gestação, principalmente diminuindo o número de participações, mas que isso não a impediu de continuar e de ganhar prêmios.
- Eu lacei até o sexto mês de gestação, sempre tomando muito cuidado e diminuindo o ritmo conforme a barriga foi crescendo. O meu médico dizia pra eu não treinar, mas eu sempre fui muito cuidadosa e só laçava nas modalidades mais tranquilas. Depois da gravidez, me resguardei por um mês, mesmo tendo sido uma cesariana. Não fiquei com medo, pois eu sempre fiz isso e sei me cuidar. No ano passado, um mês depois de eu ter ganho o bebê, participei do tiro de laço no rodeio de Charqueadas. Eu ia participar por participar, pois fazia muito tempo que eu não laçava, cerca de cinco meses. Acabei tirando primeiro lugar e fiquei muito surpresa, mas a vitória maior foi ver meu filho ali do lado, no colo do pai, me acompanhando desde pequeno – revela, emocionada.

Tradicionalismo e respeito

Luciane também destaca que o mundo tradicionalista é diferente do que muitos preconceitos afirmam. Ela garante que o tradicionalismo tem um ambiente saudável, de paz e amizade, e que pretende criar seu filho em meio a esses valores.
- Muitas pessoas já vieram me perguntar “como tu foi te meter no meio daquela gente mal educada, grossa, que usa faca na cintura?”, e aí eu vejo que o pessoal de fora muitas vezes não entende a realidade de quem vive o tradicionalismo. É muito mais seguro estar nos rodeios, junto com os tradicionalistas, pois o pessoal te respeita. Tu acabas fazendo uma grande família, e é muito gratificante. Considero esse o lugar mais seguro pra criar o meu filho, pois eu sei que é um meio onde a gente encontra muito respeito e faz grandes amigos, para a vida toda – conclui.







Experiência de vida - Histórias de quem conheceu outras culturas

Para aprender uma língua estrangeira, nada melhor do que um intercâmbio estudantil. Vivenciar uma nova cultura, conviver com pessoas de todas as partes do mundo e ainda adquirir conhecimento é imprescindível para quem quer ser competitivo no mercado de trabalho. Maria Eduarda Nagata e Juliana Berbigier relatam as experiências vividas durante o intercâmbio estudantil.

Preparação

Maria Eduarda Nagata, 16 anos, moradora de São Jerônimo, que fez o intercâmbio “High School” pela World Study, em Junction City, no estado do Oregon, em 2012, revela que a preparação para a viagem é muito importante para que o intercambista consiga adaptar-se a nova realidade.

Maria Eduarda Nagata, primeiro dia na neve
- A agência marca uma conversa contigo e com a tua família, junto com a psicóloga deles. A minha preocupação era engordar demais, e eles me prepararam pra isso, me explicando que seria algo normal, por causa da ansiedade que a viagem gera. Depois, eles fazem reuniões mensais, durante cinco meses, com o grupo dos intercambistas, para preparar o pessoal para viagem – revela.

O início

Ao chegar nos Estados Unidos, Maria Eduarda sentiu que o início não seria fácil. Ela conta que nos primeiros dias sentiu muita saudade de casa, mas que o apoio da família que a recebeu foi fundamental para que ela seguisse em frente.
- Era a minha primeira experiência em inglês, eu tava apavorada. Quando cheguei em Seattle, minha penúltima escala, tentei ligar pros meus pais e não consegui. Daí que a ficha caiu, pensei “não acredito que eu já to aqui, não acredito que eu fiz isso”. Me sentei no aeroporto e desabei chorando. Fui pra lá numa quarta, e só descobri quem me receberia na segunda. Não tive tempo de conhecer a família. Quando eu cheguei, eles foram super receptivos, sempre foram muito legais.  Eles faziam eu me sentir muito acolhida – comenta.

Juliana Berbigier, de 18 anos, moradora de Charqueadas, em 2011 viajou para Plant City, na Flórida, pela STB, onde ficou por seis meses, e revela como foi o seu período de adaptação.

- Senti muita falta da minha casa, da família. Lá a gente é tipo um hóspede, não é a mesma coisa. Eu troquei de família, não me adaptei e pedi pra trocar. Fui morar na casa de uma amiga minha da Alemanha, que também era intercambista. Na segunda família, a gente fazia tudo junto, saíamos todo final de semana, assistíamos filmes, era diferente. Adaptei-me mais rápido, mas não perdi contato com a primeira família – destaca. 
Juliana Berbigier, na Plant City High School
 Maria Eduarda Nagata também conta que a timidez pode atrapalhar na hora de realizar um intercâmbio. Segundo ela, ser comunicativo é imprescindível para fazer amigos e interagir com uma realidade completamente diferente.
- Tu tem que ir muito na cara e na coragem, chegar e conversar com as pessoas, eles não querem invadir o teu espaço. Tu começa a fazer amigos de verdade lá pela metade do intercâmbio, depois de uns dois ou três meses. Fiz muitos amigos no meu último mês lá. Eu queria sair com eles e aproveitar o que eu não tinha feito nos outros meses. Queria muito ter conhecido essas pessoas antes, teve gente que eu conheci três semanas antes de voltar, e não tive tempo de ter muito contato. O último mês foi muito intenso, e passou muito rápido. Eu continuo falando com várias amigos que fiz lá, todo dia.
Tu também fazes amizade com o pessoal que faz parte do grupo de intercambistas. Tu te aproximas delas, conhece a história e te identifica – diz.
Juliana Berbigier revela que aproveitou para conhecer diferentes lugares e pessoas durante o intercâmbio, e que nesse tempo fez vários amigos.

- Eu viajei muito lá. Eu fui pra Disney (eu morava a 40 minutos de lá), fiz cruzeiro com a família, fui pra Jamaica, pro Haiti. Lá tem muita oportunidade, dá pra fazer muitas coisas diferentes. Fiz muita amizade com o pessoal que tava fazendo intercâmbio, de outros países como Japão, Coréia, Rússia, Alemanha, e também com o pessoal da escola que eu estudei - relata.

 Ensino e educação

Juliana destaca a importância da realização do intercâmbio, que aprimorou o seu conhecimento da língua inglesa e da cultura americana.
- Estudei no segundo ano do ensino médio. Lá, tu faz só cinco matérias, e os períodos são bem mais longos. Estudei Matemática,Inglês, Espanhol, História, Criminalística (que envolve Biologia, Física e Química) e Yearbook, que é tipo jornalismo, onde a gente prepara o livro anual com entrevistas e fotos.
Juliana Berbigier, arquivo pessoal
Quando tu faz um curso de inglês, tu aprende a escrever, e muito pouco a falar. Cinco anos estudando inglês aqui, equivalem a seis meses vivendo e aprendendo lá. Se tu for pra lá sabendo pouco, tu volta falando inglês fluente, com certeza. Na primeira semana foi difícil, depois eu entendia tudo que eles falavam, e me comunicava normalmente – conta.

“Sonhando” em inglês

Maria Eduarda comenta que o aprendizado durante o intercâmbio foi enorme, e que com o passar do tempo acostumou-se com a nova língua.
- A vivência do inglês é muito boa, o pessoal é bem compreensivo e te ajuda a aprimorar a conversação. Foi muito estranho chegar lá e ter que falar só em inglês, mas é fácil se acostumar. Quando eu vi, já tava até pensando em inglês. Um dia eu cheguei a sonhar em inglês, e foi a realização da minha vida. Fiquei muito feliz.

Mudança dos hábitos alimentares

Em relação à alimentação, ao fazer um intercâmbio, é preciso ter muito cuidado para não abusar dos fast food’s e das comidas gordurosas.
- Na minha cidade, tinha uns cinco ou seis fast food’s. Eles comem muita porcaria. A família que me recebeu era bem saudável, mas lá isso é bem raro. Comida é sempre muito rápida, pois eles não têm tempo pra parar e comer – explica Maria Eduarda.
Juliana conta que ao voltar para o Brasil teve que fazer mudanças em sua alimentação.
A comida era muito diferente daqui, lá só tem fast food. Quando eu voltei pro Brasil, tive que fazer uma dieta de reeducação alimentar para me readaptar – diz.


Por que fazer intercâmbio?

Para quem gostaria de entrar em um programa de intercâmbio, mas tem receio ou não sabe por onde começar, Juliana e Maria Eduarda deixam alguns conselhos e dicas importantes, que ajudaram ambas a aproveitar tudo que essa experiência pode proporcionar.

Família americana que recebeu Maria Eduarda, os Fioritos
- Não precisa ter medo, é uma experiência que tu vai levar pra vida toda. Vai te fazer crescer como pessoa, traz independência. Isso é muito bom pra se autoconhecer, testar os teus limites e conhecer uma cultura diferente. É ótimo, mas tem que ir com a cabeça aberta pra aceitar o que vier e aproveitar tudo que for possível.  Quando eu fui fazer snowboard, fiquei com receio, mas pensei: “quando eu vou conseguir fazer isso de novo?”, e fui, sem medo. Se eu pudesse, teria feito mais vezes – revela Maria Eduarda.

Segundo Juliana, além do aprendizado e do conhecimento, o amadurecimento pessoal e a independência foram as suas principais conquistas.
- Eu passei por tudo sozinha, não tinha pra onde correr, pois minha família estava no Brasil. Tinha que resolver tudo por minha conta, lidar com responsabilidade com o meu próprio dinheiro aprendi a ser independente. É muito difícil se arrepender de fazer um intercâmbio. Tu sempre sai ganhando, tu aprende muito. O meu intercâmbio valeu muito, aprendi bastante sobre a cultura do país e sobre a língua inglesa. Recomendo a todos que, se puderem, façam um intercâmbio. Foi uma experiência única, adorei ter feito – conclui.

Fotos: Arquivo pessoal


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Donamara: amadurecimento "Baseado em Fatos Reais"


Uma análise sobre a banalização dos sentimentos e pensamentos, a reflexão sobre um cotidiano revoltante e o testemunho de quem enxerga e relata a atual situação da sociedade. Estes são os elementos utilizados pela Donamara para criar o seu novo conceito musical.
Atualmente, a banda é composta pelos jeronimenses Anderson Machado, Eduardo Sigaud, Fernando Ruch, Filipe Osanai e Vinícius Nunes. A ideia de formar a Donamara surgiu, lá em 2007, após o fim de outras bandas que os componentes integravam, e o nome escolhido para batizar o grupo foi uma homenagem a falecida mãe do baterista Anderson, o “Xom”.
- Fizemos umas ligações, combinamos uns ensaios e "oficializamos" a união. Batizamos a banda de "Duffy", fizemos alguns shows legais com esse nome e quando decidimos levar todo o projeto mais a sério, homenageamos a falecida mãe do nosso baterista Anderson - que era uma pessoa especial pra nós - com o nome da banda. Por isso, "Donamara" – contam.
O som da Donamara vem evoluindo gradativamente, tanto nas composições quanto na musicalidade e experiência de palco da banda. Esse crescimento ficou ainda mais nítido após o lançamento do EP “Baseado em Fatos Reais”, que aborda temas como o amadurecimento pessoal, a preocupação com o futuro da humanidade e a importância do pensamento livre de preconceitos e limitações. A música de trabalho, “Rosa dos Ventos”, fala sobre a falta de humildade dos que tem muito, enquanto o clipe, que teve cenas gravadas no centro de Porto Alegre, mostra a imagem de um mendigo procurando o que comer no lixo.
- Como todo ser humano e como toda banda, tudo amadurece. Não foi diferente com a gente. Começamos compondo músicas simples e com letras simples. Cansamos. Queríamos uma letra que fizesse as pessoas refletirem, com arranjos trabalhados e criativos, agregando todas as nossas influências nas músicas. A música e clipe de trabalho abordam temas sociais importantes para um país como o Brasil, onde pouca gente tem muito e muita gente tem pouco – comentam.
Sobre o começo da trajetória da banda, eles contam que as dificuldades nunca foram uma barreira. Para a banda, a mudança no estilo musical favoreceu o crescimento da repercussão do trabalho.
- Sempre fizemos bastante covers nos shows, pra podermos vender o mesmo, assim, agradando a grande massa. De alguns anos pra cá, decidimos apostar somente nas nossas músicas e nas nossas composições. O lançamento desse novo trabalho, tanto o EP "Baseado em Fatos Reais" quanto o clipe da música "Rosa dos Ventos", teve uma repercussão média, porém muito positiva. Como vivemos em uma época onde Sertanejo e Pagode tomam conta, sobra pouco espaço pra nós. Muitas pessoas nos elogiaram pelo enfoque das letras e o impacto social que o clipe causou. Mas ainda não estamos satisfeitos. Queremos uma gravação de maior qualidade, queremos caprichar ainda mais nas letras e deixar a música cada vez mais rica. Estamos só começando – revelam.
Conciliar a vida profissional e pessoal também é um dos desafios da banda. Falta de tempo e dinheiro são os vilões da história, mas não impedem que o trabalho tenha continuidade.
- O maior impasse pra que consigamos nos focar na banda são as nossas atividades paralelas. Todos trabalham e estudam. Alguns, inclusive, nos finais de semana. Como somos uma banda independente, tudo sai do nosso bolso. Tudo é caro. A maioria dos shows que fazemos é de graça, porque ninguém quer pagar cachê pra uma banda que "não enche a casa" ou que "ninguém conhece". Os CD's vendem pouco, o dinheiro não retorna. É muito mais pra nós do que para os outros. Só seguimos nisso porque a gente ama. Se dependêssemos de dinheiro pra manter a banda, ela provavelmente já teria acabado – concluem.


Galeria de fotos:


Confira o clipe de "Rosa dos Ventos": 

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Professora ao cubo


Conforme estatísticas da Secretaria Estadual de Educação, a rede de ensino do Rio Grande do Sul conta 48.663 professores, distribuídos em 2.572 escolas nos 496 municípios do Estado.
Fabiana de Moura Serpa, 31 anos, professora de matemática que leciona em Charqueadas, General Câmara e São Jerônimo, cidades da região carbonífera do estado, também é um desses milhares de profissionais que por diversas vezes abrem mão da sua vida pessoal para disseminar sua sabedoria e conhecimento. Ela viaja diariamente por vinte e dois quilômetros até o seu primeiro destino, e inicia sua jornada pontualmente às 7h45min, da maneira mais tradicional possível: escrevendo num envelhecido quadro negro, com um giz branco e outro amarelo, na Escola João Canabarro, em General Câmara.
Durante seus turnos de trabalho, com muita paciência e dedicação, Fabiana enfrenta três realidades completamente diferentes: crianças de até dois anos do Ensino Infantil, adolescentes do Ensino Fundamental e Médio, e o EJA (Educação e Jovens e Adultos), que conta com alunos das mais diversas faixas etárias. Em meio a problemas matemáticos, expressões numéricas, frações e fórmulas de cálculo, o brilho que Fabiana carrega no olhar ao falar sobre sua escolha profissional mostra o orgulho que ela sente em ser professora.
Considerando a distância que compreende o trajeto entre as Escolas João Canabarro, que fica em General Câmara, Carlos Arno Pretzel, que se localiza em São Jerônimo, e a Escola Vila Cruz de Malta, em Charqueadas, Fabiana percorre cerca de cinquenta quilômetros diariamente para dar suas aulas.
- Moro em Charqueadas e preciso estar em General Câmara às 7h30min. Então, tenho que sair de casa às 6h45min para não me atrasar. O fato de as três cidades em que eu dou aula serem próximas facilita a minha locomoção e a adaptação com essa rotina. A distância não chega a ser um grande problema, mas é um dos fatores que dificulta, pois torna o dia muito mais cansativo – comenta.
Em dez anos de carreira, Fabiana calcula que tenha tido aproximadamente 1.000 alunos. A amizade que é construída com eles diariamente, ao lado da tão temida matemática, se fortalece pelo carinho com que os estudantes têm com a professora. Ela garante que sempre conseguiu estabelecer uma boa relação com todos eles, relembrando carinhosamente de alguns fatos.
– Nunca tive problemas com alunos, sempre fui respeitada. Acho que por ser professora de matemática, eles ficam mais apreensivos com a minha aula e tentam prestar mais atenção no conteúdo. Eu procuro ter uma relação de amizade com eles. Muitas vezes, no meio da aula surgem assuntos que não são ligados à disciplina, mas que são do interesse da turma, e eu procuro não limitá-los no sentido de expressarem-se – revela.
Preocupada com os rumos que a educação tem tomado, ela também ressalta que a presença dos pais na escola é fundamental para o crescimento do aluno, tanto no aprendizado quanto no amadurecimento pessoal.
- A única coisa que eu noto neles, cada vez mais, é a falta de limites. Também sinto falta da presença dos pais na educação dos alunos, de virem à escola, de perguntarem sobre o comportamento dos filhos, se eles têm alguma dificuldade. Uma vez chamei para uma conversa os pais de um aluno que não prestava atenção na aula e que obtinha resultados ruins nas avaliações. Depois disso, ele se tornou o melhor da turma, não só na minha disciplina, mas em todas as outras. Por isso acho importante essa participação da família no ambiente escolar, é bom pra todas as partes, todos tem a ganhar – acredita.

Como todo bom professor, Fabiana estabelece alguns métodos de aplicação de conteúdos e de avaliações. Atenciosa, ela tenta tornar o ensino da matemática mais leve e simples, pois sabe que a disciplina exige um esforço maior por parte dos alunos. Além de dominar os números, Fabiana também domina totalmente o andamento das aulas, que mais parecem uma conversa amigável sobre cálculos.
- Claro que existe a cobrança, mas procuro fazer isso da maneira mais agradável possível. Tenho um sistema de carimbos, especialmente com os alunos do 6º ano, que funciona da seguinte maneira: quem fez a lição, ganha uma carinha feliz no caderno, que no final do trimestre vale alguns pontos extras, como motivação pelo esforço no trabalho, e eles valorizam muito isso. Ao final do ano letivo, faço um balanço do que fiz e do que poderia ter feito em aula. Analiso tudo que foi proposto e realizado, sempre buscando melhorar o andamento das aulas e o desempenho dos alunos para o próximo ano – afirma.

Educação infantil, um gratificante desafio na trajetória de Fabiana

Meio-dia. Depois do almoço, Fabiana precisa percorrer mais doze quilômetros até o seu próximo desafio: cuidar de crianças de cerca de dois anos de idade que estão na fase inicial de aprendizado, na E.M.E.I Carlos Arno Pretzel, em São Jerônimo. Lá, a rotina de conteúdos é completamente distinta do restante do dia, pois ela lida com alunos que estão aprendendo a falar e que por isso necessitam de uma atenção diferenciada do professor. Durante a tarde, a professora desenvolve atividades educativas, brincadeiras e demonstra grande preocupação ao tomar conta das crianças, num cuidado quase materno.
- Eles nos contam muitas coisas de casa, eles têm a necessidade de falar sobre isso. Na maioria das vezes, não pedem conselhos ou opiniões, querem apenas contar o que acontece. Aprendi muito com meus alunos da Educação Infantil, é uma experiência desafiadora e gratificante. As crianças entram aqui sem saber falar, ou falando poucas palavras, e a gente vê toda a evolução e crescimento deles. É uma coisa fantástica, surpreendente, não sei dizer bem o que é. Isso me fascina - conta emocionada.


Ensino Médio e EJA durante a noite

Mas o dia de Fabiana ainda não acabou. À noite, ela percorre mais dez quilômetros até Charqueadas, onde dá aula para turmas de Ensino Médio e EJA. Ela relata que os alunos desse turno, por serem mais maduros e terem outras responsabilidades além da escola, demonstram grande interesse em aprender e vivenciar o ambiente escolar, para no futuro terem condições de passar no vestibular ou no ENEM.
- No EJA, a maioria do pessoal é muito interessada em aprender. Mas eu vejo que eles também buscam outras coisas na sala de aula, como trocas de experiências de vida com os colegas e também com os professores. Certa vez uma senhora, minha aluna no EJA, disse que ia pra aula pra fugir dos problemas de casa, e isso me marcou muito – lembra.

Ao final da noite, depois do longo dia de ensinamentos e aprendizados, Fabiana continua demonstrando amor e dedicação ao trabalho, apesar do cansaço.
- Se eu for fazer o cálculo, sei que muitas vezes estou pagando pra trabalhar, mas meu sonho sempre foi ser professora. Faço isso muito mais por amor à profissão do que por dinheiro. A rotina é desgastante, mas no final das contas vale a pena, pois, caso eu não gostasse de dar aula, existem outras opções de trabalho por aí. Já são quase dez anos de carreira, e apesar de tudo, não tenho do que me queixar. Uma vez, junto com outros professores, ouvi de um governante que ao aceitarmos esse cargo, sabíamos das dificuldades que enfrentaríamos, e que então não poderíamos reclamar. Gostaria que os governantes entendessem que ser professor não é somente uma missão, e sim uma profissão, que merece ser devidamente reconhecida – comenta.
Ela ainda conta que tem alguns outros sonhos a realizar, fica pensativa por um tempo e revela:
- Não quero parar de estudar, pretendo fazer mestrado, doutorado e dar aula em alguma universidade, sempre na área da matemática – conclui.